Na manhã de 1° de março de 2018, no Guarujá, enquanto terminávamos a faina do dia do nosso botinho, recebemos um telefonema importante. E nele, um convite ousado para nossa maior travessia: preciso de vocês na Volvo Ocean Race (VOR).
Nós, que somos bebês recém-nascidos na vela, mal sabíamos do que se tratava o evento. Nosso conhecimento se resumia em: é uma “regatona” à vela. E só. Não sabíamos sequer que o evento passaria por Itajaí e que isso exigiria uma travessia com mais de 24 horas de navegação!
Não bastasse o desafio da travessia em si, o convite veio com um tempero extra: receber pessoas com múltiplas deficiências no barco para vivências à vela. UAU! Cegos, surdos, deficiência intelectual, autismo, down… era essa a cereja do nosso bolo.
Nós, que mal sabíamos velejar, agora estávamos sendo convidados para, simplesmente, fazer uma travessia de ida e volta de 500 milhas náuticas e ainda receber pessoas com deficiência para velejar no destino.
A resposta não foi imediata, mas conscientemente desafiadora. E é disso que a gente gosta! Aceitamos sem entender direito a dimensão de tudo aquilo. Sabíamos que era grande, que seria grande pra gente. Um marco!
Naquele momento, nem velas tínhamos, fazer um compromisso para menos de 2 meses dali para uma grande travessia, sem experiência alguma em navegação maior de 3 horas, era para nós uma decisão ousada.
Ainda assim, nos parecia ser essencial para evoluirmos de patamar dos que navegam em casa e dos que se aventuram mar afora.
Veja o que você encontrará nesse post:
- Reconhecendo o Prosperus
- Decisões e ajustes
- Soltem as amarras
- As primeiras horas da travessia
- O acordar para a magia no mar
- Vai dar pra velejar ou não?
- A primeira velejada noturna
- Erro na roda de leme
- A superação
- O êxtase
- Sobre tomar o controle para si
- A memorável chegada a Itajaí
- As pessoas que fazem a maior diferença
Se você ainda não viu o vídeo completo desta travessia no nosso canal no Youtube, veja um pouco do que foi aqui:
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RECONHECENDO O PROSPERUS
Para se fazer uma travessia, não se gastam apenas as horas de navegação, mas inúmeras horas, dias, semanas de planejamento, estudo e reconhecimento do barco. Ou seja, nossa travessia para Itajaí durou 54 dias. Do convite em 1° de março até nosso retorno ao Guarujá em 23 de abril de 2018.
Fomos, aos poucos, estudando a rota para Itajaí, descobrindo os pontos para possíveis paradas para abrigo de mau tempo, aprendendo a velejar o Prosperus (quando as velas chegaram), dimensionando o tanto de combustível que gastaríamos, qual era o consumo do Prosperus, como ele se comportava com vento contra, a favor, no través.
Considerando que o Prosperus é um MJ 38 DS (Deck Solarium), tem tanque para 90 litros de diesel e temos mais 85 litros em bombonas separadas, precisávamos entender se tudo isso era razoável para ir até Itajaí.
Além disso, o nosso MJ 38 DS tem 360 L de água, o que pode ser um problema para pessoas que não saibam como economizar. Mas considerando a travessia em cerca de 38 horas, não nos parecia ser um grande problema.
Ficamos em todas as travessias avaliando todos estes fatores e “recalculando” a rota para Itajaí. A cada nova travessia, mais dados eram avaliados para estudarmos o tempo de ida para a cidade da VOR e os consequentes dimensionamentos.
Essa já foi uma preparação interessante! Anotamos tudo! Consumo do barco (L/hora), velocidade no contra vento, no favor, no través, velocidade com “vento de porão” (famoso motor para quando não se tem muito vento). Enfim, trabalhamos em travessias curtas e médias para analisar estes números para passar à tripulação que nos acompanharia para validar nossos cálculos.
Foi uma atividade intensa e de muita conexão com o Prosperus. Aprendemos como velejá-lo, lemos livros de ajustes de velas, aprendemos com vídeos sobre travessias. Foi uma descoberta conjunta maravilhosa! E o Prosperus se mostrou um barco que gosta de travessias, que está pronto para isto.
DECISÕES E AJUSTES
Obviamente, como não temos piloto automático, o barco precisaria, literalmente, ser tocado na mão 100% do tempo. Pensamos insistentemente naquele momento em comprar um piloto automático para a travessia não ficar tão penosa.
Mas como penosa? Nem sabíamos o que era esse “penoso” sem um piloto! Decidimos, então, aprender na pele o que significava esta palavra. O que é fazer uma travessia de mais de 30 horas sem ter um piloto.
Essa foi a primeira decisão acertada! E, com isto, aprendemos a fazer os turnos, a passar turnos, a tomar decisões importantes na travessia considerando levar o barco na mão.
Mas antes da travessia, parece que o Prosperus se manifestou no que podia para que não tivéssemos problemas durante. E tudo o que podia acontecer num barco novo de menos de 2 meses de água, pipocou.
Vazamento de água doce foi a bola da vez, que tomou nossa maior preocupação, já que uma conexão em T estava acionando a nossa bomba pressurizada de água doce a cada 90 minutos! Poderíamos ter um problema aumentado com os efeitos da travessia, ainda mais com a frente fria prevista que deixou o mar com ondulações ainda maiores do que havíamos previsto.
Depois de pensar, encontrar o problema, ir até a cidade fazer um teste na conexão em T e não comprar a peça novamente, voltamos para o barco com a certeza de que a peça era boa. Então o jeito era fazer uma boa vedação com veda rosca, sikaflex, o que fosse pro bendito não mais vazar. E assim foi.
Arrumar os rizos com a capa da vela foi outra tarefa que para todo bom marinheiro de primeira viagem teve que fazer e refazer mais de uma vez. Acertamos na segunda depois de pedir conselhos para o Jarbas, marinheiro do barco vizinho.
Diante da chegada de uma baita frente fria no dia 14 de abril, nossa partida prevista para dia 15 foi adiada até que a “porranca” se afastasse e a Marinha reemitisse um aviso de que as condições estavam melhores.
Essas decisões nunca são fáceis de fazer, pois vai da interpretação e desejo do navegador. Mas por sermos inexperientes, com barco novo, decidimos não correr o risco e avisar a tripulação de quando as coisas estivessem mais favoráveis.
SOLTEM AS AMARRAS!
Pelas 20h do dia 17 de abril de 2018, recebemos a tripulação para o rumo de Itajaí. Miguel e Iris, do Projeto Sailing Sense, nos acompanhariam na travessia. Na verdade, era esta a condição para o aceite na participação da Volvo Ocean Race, que tivéssemos tripulação (e se possível mais experiente que nós).
Zarparíamos naquela noite, mas o time estava exausto! JP e eu que passamos o dia estressados com os últimos ajustes do barco, arrumação de cabines, organizações de equipamentos de salvatagem para fora. Miguel e Íris que tinham viajado de SP ao Guarujá depois do dia de trabalho e ainda fizeram as compras para a viagem.
Por volta das 22h estávamos “prontos” para partir. Sentamos para conversar sobre a dinâmica da travessia e nos entreolhamos, com as esperadas caras de zumbis, e decidimos dormir e descansar um pouco para zarpar às 4h do dia seguinte.
E assim sucedeu, JP se levantou com Miguel, como combinado, para sair. O 1o turno era deles. Nossa decisão foi de fazer turnos de trabalho de 1 hora cada tripulante no leme e descanso de 3 horas. Assim ininterruptamente até que se chegasse a Itajaí.
Mesmo não sendo meu turno, despertei também às 4h com o ronco do motor. No barco não existe muita privacidade e retiro. E, portanto, todos acabam sabendo o que está havendo. Mas, além do “barulho” do motor, a minha imensa ansiedade para esta travessia não me deixava pregar os olhos novamente.
Mesmo acordada, fiquei na cama enquanto os 2 tiraram o Prosperus da marina. E fui fazendo mentalmente todo o checklist da desatracação: desamarrar um bordo, depois a proa, depois o outro bordo, acelerar o motor, girar o leme para bombordo, recolher os cabos de atracação, recolher as defensas.
Depois de alguns minutos saindo do canal de Santos me perguntei se eles haviam tirado as defensas. Parece que esse é um sinal meio vergonhoso de novatos que sempre esquecem dos “brincos”, como chamam as defensas.
Mas relaxei e confiei que alguém se recordaria de fazê-lo. E às 4h50 ouvi alguém indo até a proa para guardar as defensas no paiol da âncora. A partir daí o mar começou a mexer. Começou a nossa maior travessia.
AS PRIMEIRAS HORAS DA TRAVESSIA
Para novatos como nós, uma travessia com expectativa de levar 38 horas de navegação parece algo surreal. E é. No início, eu só fazia o cálculo em contagem regressiva. Era inevitável.
Às 5h05 (faltariam 37 horas até Itajaí) estávamos chacoalhando muito. A previsão era de mar com 1,5 a 2 m de onda. Alto demais para nós que só havíamos enfrentado nossos 0,9 m de ondulação até então.
A proa se chocava com as ondas, era splash pra todo lado, porranca pela frente. O Prosperus mostrou sua bravura e foi cortando as ondas como deve ser.
Às 6h50 decidi levantar para ver o que estava havendo lá fora. Parecia que tudo estremecia de lá de dentro na minha quase confortável cama de proa. Queria dar uma bronca na tripulação lá fora por deixar o Prosperus assim batendo tanto. Ouvi circulação de gente, genoa panejando. E levantei num pulo.
Mas quando estava vestindo minha jardineira de tempo, um suador começa a aparecer. Ihhhh. Mareei. Saí da cabine segundos depois para tomar um vento e recuperar o fôlego. Todos orientaram comer algo. Mas não dava nem pra descer. Moleza nas pernas.
E a vontade de brigar com eles desapareceu num instante quando vi que do lado de fora, aquele barulhão que eu ouvia lá de dentro, nada parecia. Estava tudo bem e normal.
Mais um aprendizado: quando estamos dentro da cabine parece que o mundo está em tormentas, mas é ilusão. O barco parece uma criança exagerada berrando de dor, mas que em segundos ri para você como se nada tivesse acontecido. Prosperus fanfarrão.
O ACORDAR PARA A MAGIA NO MAR
Às 7h30 desci à cabine para pegar um copo de suco e um caqui de café da manhã. E meia hora depois estava completamente recuperada. Foi aí que notei o tom verde esmeralda do mar. Fiquei novamente encantada por isso, pois nunca canso de apreciar estes tons esverdeados do mar do Sudeste. Sempre melhora meu dia.
Às 9h (faltavam 33 horas até Itajaí) era meu turno. O mar esmeralda prometia um turno maravilhoso. Peguei o leme. O vento quis ficar bonzinho, mas acabou abobado e as velas não se encheram. Precisamos ficar no motor, já que tínhamos hora pra chegar. E daí, quando menos esperava, olhando a proa no rumo certo, às 9h20 vi meu primeiro golfinho do Prosperus, único. Acordei todo mundo que estava dormindo com os gritos de alegria! Que lindo!
Depois do golfinho, parecia que o mar estava mais alegre. E o efeito sobre mim, que estava tensa com a travessia, foi de êxtase. Parei de contar as insignificantes horas em contagem regressiva. Não contava mais as horas da travessia.
Fiquei feliz demais e só pensava em como sou sortuda por ter a chance de viver isso! Que surpresas o mar nos prepara para acalmar o coração. Foi um único golfinho que apareceu, mas suficiente para mudar o meu relacionamento com a travessia. Mágico.
VAI DAR PRA VELEJAR OU NÃO?
Pelas 10h50, Miguel, JP e eu dormimos enquanto Íris ficou no leme. Soninho de leve no cockpit.
Às 12h10 acordei para ir ao banheiro, fiquei levemente mareada e comi salgadinhos para subir a pressão. Fiquei conversando com a Íris para me distrair do mareio (ótima tática), porque às 13h era meu turno.
Mantive o rumo nos 300° em direção a ponta do continente. Mas estávamos nos afastando do trajeto ideal da travessia. Portanto, retomei o rumo para 240 a 250° para voltar paralelamente ao trajeto ideal oferecido pelo aplicativo Navionics.
Finalmente abrimos a genoa novamente e velejamos a 8 nós por alguns minutos. Baita velocidade! Mas para esta magnífica velocidade, tínhamos que sair do rumo novamente. Então voltamos ao traçado com velocidade de 7 a 7.5 nós e vento de alheta de 8 a 10 nós. Estava ótimo.
No decorrer da tarde, tudo sob controle, mas sentimos que o vento estava se mantendo. Com o início da noite se aproximando, perguntei se precisaríamos rizar a mestra. Tive um não como resposta da tripulação mais experiente. ERRO!
Por mais que o vento estivesse fraco e controlado, à noite é sempre mais complicado de se ajustar as velas e o vento quase sempre sopra mais forte. Então é mais conservador que se rize para manter a segurança do barco e da tripulação. Lição aprendida.
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A PRIMEIRA VELEJADA NOTURNA
A noite foi bem difícil para mim. Eu peguei o turno da virada do dia para noite. Com a mudança, os ventos também mudaram, ficaram mais fortes. A lua nova nasceu lindamente e se pôs rapidamente. Cerca de 3 horas de aparição. Parecia um biscoito.
Peguei os turnos das 18 às 19h. Depois 22h às 23h. E, por fim, para os turnos noturnos, o terceiro das 2 às 3h da manhã.
O 1° turno foi bem intenso. As duas velas completamente abertas. Mas quando caiu a noite, tive medo de fazer com que o barco adernasse, por mais que soubesse que ele não viraria e que o barco realmente veleja bem e foi desenhado para isto.
Quando chegava a velocidade de 8 nós, o barulho da água na popa me assustava e eu jogava o vento para a proa, panejando a genoa e reduzindo velocidade. Fazia-me sentir melhor porque o barco não adernava tanto e o leme ficava mais macio. Mas me sentia triste porque me frustrava por não conseguir controlar este instinto de proteção.
Eu tinha MEDO! E reagia conscientemente para diminuir a velocidade do barco e diminuir seu ângulo de inclinação. Este primeiro turno foi um martírio. Estava com medo da noite, do escuro, dos ventos aumentarem, de tudo!
Só lembrava das amigas que falavam que velejar à noite era a coisa mais deliciosa que existia! Eu não estava me deliciando. Fiquei ainda mais frustrada e fiquei esperando: cadê este momento que elas tanto falaram? Quero que chegue logo essa magia da noite!
Quando fiz meu curso de mergulho noturno eu tinha muito medo! Fiz a teoria e no dia de realmente testar o mergulho à noite, fiquei até sem dormir na noite anterior. Eu tenho medo da noite, medo do desconhecido no escuro. Mas assim que caí na água e vi que não tinha nada demais, eu ria como criança que viu uma careta engraçada.
Esperava que a velejada noturna também fosse assim, que de imediato eu fosse gostar. E não aconteceu.
ERRO Na roda de LEME
Deitei, então no cockpit para tentar encontrar uma luz nas estrelas que me fizessem apreciar a velejada noturna. Me ative a uma destas estrelas que brilhava mais forte. Comecei a pensar que ela podia ser, literalmente minha estrela-guia, já que me fornecia alguma referência visual da direção do barco.
Mal comecei a me interessar por estes pensamentos e pelas 21h, a Íris perdeu o controle do barco porque está acostumada com cana de leme, onde virar o leme para a direita, significa guinar à esquerda. E, no Prosperus, temos roda de leme, que é igual a um carro. Virar à direita significa mesmo guinar à direita.
Isso causou um baita estresse em mim e na tripulação. Eu fiquei com muito medo. Vi aquela estrelinha, a minha guia, se movimentar rápido no céu, até me dar conta de que quem estava girando era o Prosperus. Imediatamente um monte de coisas na cabine vieram ao chão, quicando como bolinhas de gelo numa chuva de granizo.
Que pânico! À noite, mal enxergamos a vela, tamanha escuridão depois que a lua se foi. O medo naturalmente aumentou. E o imenso barulho das velas panejando me causou muito medo.
E ao mesmo tempo, não quero que minha casa se machuque. Dói ver tudo espalhado pelo chão por conta de um engano. Eu, como boa virginiana, queria que tudo ficasse arrumado novamente, mas apenas a ideia de arrumar as coisas na cabine já me deixava enjoada. Deixei como estava e me levantei e fiquei ao lado da Íris o tempo todo até que terminasse seu turno, assim poderia dar um apoio, caso se perdesse novamente naquela imensidão escura.
É impressionante como ficamos ciumentos e zelosos com nosso barco-casa. Eu acho que nunca tive tanto zelo por algo assim. O Prosperus é nosso bebê, não quero que nada aconteça a ele. Acho que todos os donos de veleiros têm este sentimento.
A SUPERAÇÃO
Primeiro amanhecer em alto mar do Prosperus.
É muito interessante ver a minha evolução desde o 1° turno noturno até o 3°. O primeiro foi de puro medo. Me senti frustrada porque não conseguia deixar o barco velejando a uma velocidade constante. Estava com um medo descomunal.
No segundo, estava ainda com receio do vento e pedi para o JP dormir no cockpit comigo para o caso de ficar com muito medo e decidir abandonar o posto. E ainda estava extremamente cansada, porque não consegui dormir nas minhas 3 horas de descanso, já que o 1° turno noturno havia me abalado profundamente.
Eu mal conseguia olhar a bússola de tanto sono que sentia, os olhos se cruzavam, não focavam os números na bússola. Contava minuto a minuto do turno. Estava numa situação horrível. O tempo não passava e os olhos clamavam por um sono revigorante.
Cadê que a velejada noturna é tão gostosa? Ainda não tinha achado essa magia.
Terminando meu turno de 1 longuíssima hora (com certeza a hora mais longa que já vivi), passei o leme para o Miguel e decidi que dormiria na cabine, na minha caminha de proa, mesmo com aquele mar ainda alto. Tinha que funcionar, caso contrário o próximo turno estaria fadado ao fracasso.
Tomei mais um remédio para enjôo, comi umas balinhas de gengibre e fui pra cama. Tirei a roupa de tempo, me atirei debaixo do cobertor, coloquei o relógio para despertar em 3 horas e fechei os olhos.
Decisão acertada. Descansei na cabine pelas 3 horas seguintes até o próximo (e último) turno noturno. Desta vez, o descanso foi revigorante.
O ÊXTASE
O terceiro turno da noite foi às 2h. Acordei 1h55, peguei minhas balas de gengibre e um guaraná e fui encarar a noitada. Esta sim eu aproveitei. Estava descansada, calma, decidida a entender a magia da velejada noturna.
Ao invés de só olhar pra bússola, observei muito as estrelas, a via láctea e naveguei olhando para elas, sem me prender à bússola. No momento que deixei o vento lamber meu rosto, o deixei levar minhas lágrimas de emoção!
Agora sim! Entendi a magia da velejada noturna! Foi uma total conexão Dri – Prosperus – céu estrelado. Sensação única. Sem terra a vista, só eu, o barco, o mar, o céu, o vento. Éramos apenas um.
Eu havia vencido o medo da 1a velejada noturna. Que turno maravilhoso! Eu aproveitei cada minuto! Relaxei completamente, fui curada do medo da noite.
SOBRE TOMAR O CONTROLE PARA SI
Quando entrei neste estado de êxtase, eu sentia que tinha o total controle do barco, mas de uma maneira muito humilde e feliz. Afinal de contas, no mar não existe arrogância. Não me sentia a dona do mundo, mas dona de mim mesma. Eu tinha controle sobre minhas emoções, sobre mim. E, por conta disso, o mar fez o restante.
Não tinha medo do que poderia acontecer com o barco, porque estava consciente do que ele estava fazendo naquele momento. Entendi, mesmo sem enxergar, a frequência das ondas, o movimento do Prosperus, das velas e, consequentemente, do leme.
Eu não lutava mais contra o mar, até porque eu certamente perderia, mas o deixei nos levar para onde queria. Que velejada deliciosa fizemos juntos! As estrelas e o mar pareciam sorrir pra mim e me afagar com o vento nos cabelos. Era um momento carinhoso.
Para chegar a este ponto, foi um longo processo (22 horas para ser mais exata), tive que vencer muitos medos, tive que combater a ansiedade de maneira consciente, tive que me perdoar por não conseguir adernar o barco e usar o melhor vento a nosso favor várias vezes, tive que perdoar a tripulação, que assim como eu, cometem erros, tive que olhar de maneira humilde para o mar e encontrar a sua beleza.
Precisei olhar além! Além de mim, além do mar, além do horizonte, além das pessoas. Precisei me reduzir para encerrar com essa de querer controlar tudo o tempo todo, para dar oportunidade para o mar e as belíssimas estrelas em alto mar me mostrarem o caminho.
Foi tão relaxante este turno, que meu próximo descanso durou mais que o previsto e eu não consegui acordar às 5h50 para retomar o leme às 6h. Fui ver o relógio de novo somente às 6h30. Por conta disso, JP ficou com o turno dobrado e não deixou que ninguém me chamasse, pois queria que eu descasasse (fofo, né?). E, para compensar o carinho e compreensão, preparei um belo café da manhã para ele, com pãozinho na chapa e queijo derretido.
Estava exausta, feliz e acabei dormindo além da conta. Só lamentei não ter visto o amanhecer no mar. Mas na próxima travessia de retorno ao Guarujá, eu teria essa chance!
A MEMORÁVEL CHEGADA A ITAJAÍ
Não bastasse a enorme emoção de chegar 2 estados abaixo de onde estávamos com o próprio barco, com a própria casa, ainda tivemos mais 2 surpresas de arrepiar!
A primeira é que chegamos exatamente no momento do treino da Volvo Ocean Race, o que significou navegar lado a lado (pelo menos por poucos segundos) dos maiores e mais velozes veleiros do planeta!
Eu que achava nossas velas já imensas, fiquei boquiaberta quando entendi o tamanho daqueles barcos! E que lindos! E como adernavam! Me senti uma boba por sequer chegar perto de deixar o mar subir no cockpit do Prosperus!
Os gigantes “faziam miséria” com seus barcos imensos! E o ruído dos cabos quando davam bordos, de longe se ouvia o ranger! UAU! Era muita velocidade. Rapidamente corriam a “regata” como se não houvesse amanhã! Hahaha! Que emocionante ver isso de tão perto e do mar!
A segunda surpresa foi quando entramos no quebra-mar rumo à Marina de Itajaí. Ali me dei conta de que tínhamos vencido 250 milhas náuticas, 36 horas de navegação, milhares de pensamentos!
Ali me lembrei dos medos, das superações, do grande desafio que havia significado para nós! Fui para a proa do barco para ver o belíssimo pôr-do-sol de Itajaí, JP no leme como comandante do Prosperus, não deixou ninguém tocar no leme para o momento de atracação!
De repente, ouço alguém gritar do quebra-mar: “Dri, JP, Prosperus!!!! Olhem pra cá!!!”. Não acreditava que tinha gente ali que nos conhecia! Navegáramos mais de 250 milhas, já estávamos inflados de tanta alegria e ainda uma pessoa que conhece nosso canal, sabia que estávamos chegando e tirou as fotos mais lindas que o Prosperus já posou!
AS PESSOAS QUE FAZEM A MAIOR DIFERENÇA
O Reinaldo Sampaio, que mais tarde se tornou nosso apoiador pelo Apoia.se, foi um anjo com sua esposa super alto-astral Milene! Além das fotos maravilhosas, foi velejar conosco, nos levou para tomar os melhores chopes de nossas vidas no bar dele, o All Deck, e ainda deixou pra gente um gostinho de quero mais de Itajaí e região!
O carinho que recebemos dos moradores de Itajaí foi enorme! Conhecemos algumas pessoas muito queridas que acompanham nosso canal, pudemos mostrar nossa casa flutuante, foi uma delícia dividir essa vitória com pessoas tão especiais.
A nossa primeira travessia foi, de fato, um divisor de águas para nossa vida no mar. Vencemos o primeiro grande desafio depois de 2 meses do Prosperus na água. Evoluímos muito como navegadores, velejadores, pessoas.
Chegar a um novo destino com a própria casa e ouvir um sotaque diferente do último lugar onde atracou é, sem dúvida, uma das maiores emoções que eu já senti.
É puro êxtase! É maravilhoso! É a vida que eu nem imaginava que existia que eu escolhi.
Momentos assim valem qualquer vazamento de água que surja no barco, qualquer probleminha que tenhamos que consertar. A vida vale a pena ser vivida. Que sorte a nossa estarmos embarcados nessa experiência única em nossas vidas.
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Show, esse mundo náutico realmente dá um show! Desde criança meu sonho sempre foi o mundo aéreo. Mas não sei porque o destino resolveu me arrastar pro mar! A uns 15 anos vivo no mundo náutico e, agora que caí de cabeça literalmente nas águas. Um belo mergulho! Desde 2012 estou habilitada em Arrais e motonauta, fazendo alguns trabalhos em marinas, mas agora quero ir além, quero atravessar o oceano 😍🙈 não quero limites. Vou tirar a “capitão amador” e sair por aí nesse mundo a fora. Bom trabalho pessoal, amei vcs!
Aeeeee, Jucélia!! É isso aí! O poder feminino nos mares! Hehehe! Nem sabemos ao certo de onde vem esta aptidão para o mar, mas sabemos que é especial. Desejamos muito sucesso a você nesta empreitada! Muito obrigada pela mensagem e pelo carinho! Por onde anda agora? Já fez a prova de capitão? Nós tiramos a nossa em abril de 2019, no Simpósio de Segurança da Marinha, em Angra dos Reis. Grande beijo, Dri!