Acidentes a bordo. Texto de João Felipe S. Locatelli, médico e autor do Guia Médico de Primeiros Socorros no Mar.
Acidentes a bordo? Quem nunca?
Ser autossuficiente a bordo é praticamente mandatório para aqueles que se fazem ao mar.
Temos que saber identificar problemas diversos, consertar nosso motor, costurar nossas velas, planejar consumo de mantimentos. Ou seja, precisamos saber bastante de quase tudo para sair com segurança.
Elétrica, mecânica, hidráulica… Baita responsabilidade, não é?
Por isso, um velejador é alguém que sempre está aprendendo e tem sede de conhecimento e, claro, humildade.
A gente sempre aprende algo novo, em cada navegada, a cada bate-papo com os amigos do mar.
Adriana e JP me convidaram para falar sobre os acidentes a bordo mais frequentes e como abordá-los.
Confesso que foi difícil escolher os mais frequentes, pois o leque de possibilidades é enorme. Mas vamos lá.
Eis aqui alguns, e sempre recomendo investir em itens de comunicação a bordo (para resgate, orientação, consultoria) e estudar a fundo o assunto Primeiros Socorros no Mar.
Você nunca sabe quando vai precisar, e quando vier este momento, não vai se arrepender deste tempo investido em conhecimento.
1 Contusões, entorses e batidas
Gosto de falar que um veleiro é cheio de “armadilhas”.
Catracas, moitões e cunhos, ou aquele cabo não aduchado que você acabou esquecendo podem causar acidentes a bordo.
Tudo parece que foi feito pra gente dar aquela topada com o pé, não é?
Então, antes de mais nada, evitar é a melhor jogada.
- Use EPIs,
- esteja calçado enquanto navega,
- preste atenção na organização do seu convés e
- reconheça possíveis perigos antecipadamente.
Uma contusão a bordo pode gerar um hematoma ou equimose.
Veja se não há sangramento (externo ou suspeita de interno) ou deformidade óssea.
Veja se não há dor ou crepitação (ruído causado pelo atrito entre as partes do osso fraturado) ao movimento de uma articulação adjacente.
Se suspeita de algo a mais, dá uma chamada no seu amigo médico. A dúvida já é justificativa para o contato.
Não consegue contato? Dirija-se a um porto mais próximo.
Traumas na cabeça, tórax e abdome também podem ser urgências. Há possibilidade de sangramento interno.
Se não houver nada disso, então gelo, repouso e anti-inflamatórios (se não for alérgico) podem aliviar os sintomas.
2 Náuseas e vômitos
É a principal intercorrência a bordo. Não chega a ser um grave acidentes a bordo, mas é muito comum.
Geralmente o tripulante tem predisposição a cinetose (sim, este é o termo técnico que usamos para enjoo de movimento ou mal do movimento que se caracteriza pela sensação de enjoo ou náusea quando se anda em qualquer meio de transporte). Cada pessoa tem sua receita, e confesso que todas, de uma maneira ou outra, funcionam.
As recomendações básicas, de todo livro médico, recomendam:
- Evitar consumo de álcool e alimentação pesada e em excesso;
- Evitar cozinhar, mexer em produtos químicos, leitura e atividades finas;
- Procurar ficar em locais abertos e ventilados e manter o olhar no horizonte;
- Alimentar-se em pequenas quantidades e de preferência alimentos frios;
- Mantenha-se aquecido e seco.
Se não melhorar, pode-se iniciar tratamento medicamentoso. Inclusive, se souber de antemão que tem predisposição, você pode usar algo profilaticamente.
Recomendo medicamentos como escopolamina transdérmica, Dramin® ou Nausedron®.
Importante: cada pessoa reage de uma maneira melhor ou pior a medicação, então recomendo testar a medicação antes de entrar a bordo.
3- Cefaleia (dor de cabeça)
Também não se caracteriza como acidentes a bordo, mas é um incômodo que pode provocar maiores problemas, se não controlado.
A dor de cabeça pode ter diversos motivos: desidratação, insolação, tensão, enxaqueca…
O ideal é tentarmos identificar qual a razão de estarmos sentindo isso. Antes de se medicar, atentar para os sintomas de gravidade – Febre, pós-trauma craniano, vômitos em jato, rebaixamento no nível de consciência – requerem uma orientação médica e indicam urgência.
Sempre é bom ter a bordo medicamentos diversos para tratar dor, mas antes disso
- beba bastante líquidos,
- se proteja do sol, e após sim,
- parta para medicamentos.
Usamos analgésicos simples, como paracetamol e dipirona, ou específicos para enxaqueca, como Neosaldina®.
4- Queimaduras (sol, calor e agua viva)
Como todo trauma, a precaução é a melhor conduta para evitar acidentes a bordo.
Use:
- roupas adequadas,
- equipamentos de proteção individual e
- evite descuidos.
Esqueci de passar meu protetor e exagerei no sol, e ai? O que faço?
Queimadura solar raramente apresenta repercussões graves para o corpo. Recomenda-se hidratação via oral adequada e repouso.
Evitar aplicar produtos químicos não específicos para queimaduras solares. Nada de pasta de dentes ou receitas do barco vizinho, ok?
Queimadura por fogo podem ser de primeiro, segundo e terceiro grau. Bolhas e dor intensa geralmente consistem em queimadura de segundo grau, já na epiderme. Não estourar a bolha, somente se muita dor e você tiver material estéril para isso.
Se queimaduras de terceiro grau, hipoderme, já vemos tecido gorduroso, nervoso ou muscular aparente. Pode não ter dor. Significa gravidade. Entrar em contato médico imediato e dirigir-se a um porto.
Se for utilizar algo na queimadura, dê preferência para sulfadiazina de prata. Analgésicos simples ou antiinlamatórios geralmente são suficientes para dor. Mas pode-se usar algo mais potente se você tiver a bordo e tiver o conhecimento para tal.
Para queimadura por água-viva: Usar água do mar para limpar. Não usar água doce.
Vinagre ou outro composto ácido pode ajudar a não progredir lesão.
Compressas geladas para reduzir dor/desconforto geralmente são suficientes.
5- Cortes
É muito frequente a gente se cortar, seja cozinhando, fazendo manutenção ou até, no calor da velejada, topar com algum item e começarmos a sangrar.
Se o sangramento estiver ainda acontecendo, devemos pegar um pano limpo e comprimir por 5 minutos.
Depois disso, e sangramento controlado, devemos realizar limpeza adequada da lesão.
Geralmente o uso de soluções antissépticas com gaze é suficiente (clorexidine ou iodopovidona), mas se ainda houver sujeira na lesão, uma analgesia local injetável com lidocaína é recomendada.
Com o ferimento limpo, aí então devemos fazer curativo. Troca de curativo tem que ser diária, observando se existe secreção purulenta ou sinais inflamatórios. Se sim, contate médico em terra.
E para você que ficou até o final na leitura, vai um bônus:
BÔNUS: Como tratar acidente com anzol
Pescar é legal, mas como tudo na vida, existe o risco de acidentes a bordo.
Se você se feriu, então:
- avance o anzol, após analgesia do local com lidocaína injetável, até que possa ser realizada o
- corte da ponta do anzol após a fisga e então
- retire-o com facilidade, e sem lesões maiores.
- Efetuar limpeza adequada do ferimento e curativo.
E bem, após qualquer ferimento cortante ou com anzol, checar novamente a necessidade de vacina antitetânica no porto mais próximo e estar sempre atento ao surgimento de infecção no local.
Gostou? Infelizmente chegamos ao final deste breve artigo.
Obviamente, o conhecimento aqui repassado é superficial e sempre quando houver dúvidas, entrar em contato com um médico ou se dirija a um porto.
O conhecimento médico é bastante amplo, e para nós, velejadores, NECESSÁRIO. Investir neste item é investir em segurança a bordo. E segurança nunca é demais.
Quem quiser adquirir o Guia Completo de Primeiros Socorros no Mar, com muito mais detalhes e informações, e recomendação de como fazer um kit médico, acesse pelo botão abaixo.
É um apanhado geral de diversos temas importantes, com um formato claro e conciso para os velejadores que não são da área da saúde, como nós.
O livro abrange temas:
- as principais intercorrências médicas a bordo
- como identificar e tratar
- como estabelecer uma comunicação segura
- quando buscar ajuda
- como prevenir acidentes
- como se preparar para uma expedição e
- como montar um kit de primeiros socorros, com itens recomendados para navegação costeira ou oceânica
Ao comprar, além de ajudar a iniciativa com um custo extremamente baixo para o benefício que proporciona, você pode fazer o download do formato em PDF ou ebook ou ambos para utilizar e guardar nos seus dispositivos móveis ou mesmo no computador e ainda imprimir e ter consigo a bordo.
Valor R$ 30,00!
Um investimento muito baixo para aumentar a sua segurança a bordo.
Espero que este livro lhe seja útil.
Ah! Mas não é para deixá-lo lá na mesa de navegação, hein?!
É essencial dar uma lida sempre que puder para ir assimilando procedimentos e, assim, ter mais agilidade em responder às intercorrências!
Boa leitura e bons ventos!
Referências:
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